O FRACASSO DA FILOSOFIA DO CONHECIMENTO DE DAVID HUME


David Hume (1711—1776) foi o auge do empirismo britânico, e alguns diriam que ele foi a porta para o ceticismo[1]. Em muitos aspectos, seu sistema epistemológico veio como resultado dos naufrágios racionalistas na tentativa de raciocinar de a priori em direção a uma ontologia inteligível. Hume percebeu claramente o perigo do solipsismo tentando raciocinar a partir de axiomas e, por isso, optou por buscar um método alternativo. A indignação de Hume em relação às Escrituras ajudou a alimentar seu desprezo pela revelação e pelas contemplações a priori em favor de um profundo compromisso com a observação. Foi essa atitude implacável e intransigente que finalmente trouxe alguma clareza a toda a discussão sobre o conhecimento humano, particularmente em relação à experiência humana. Hume pode ser considerado por alguns cristãos como um inimigo da fé, porém muitos fariam bem em considerar as críticas, abdicações e compromissos de Hume. A clareza viscosa de Hume estimula os cristãos a se comprometerem ainda mais com as Escrituras ao verem o fracasso de um dos golias filosóficos do mundo.

O método empírico de Hume faz com que ele se comprometa com dois princípios principais: experiência causal e conclusões causais habituais. Hume argumentou que os homens nasceram com uma mente vazia e a experiência era a causa do conhecimento. Ou seja, o homem não entenderia que a pólvora é explosiva sem primeiro observar/experimentar uma explosão de pólvora. Além disso, após a observação, as conclusões habituais podem ser enquadradas na mente, de modo a esperar o mesmo resultado repetidas vezes. No entanto, Hume admite que sua afirmação é problemática.

Hume afirma que a experiência é a artesã de todo o conhecimento, e todo esse conhecimento é obtido através de um processo de causa e efeito. Sem primeiro experimentar uma causa, ninguém pode ter certeza de um efeito. Um exemplo disso foi dado acima — a observação da pólvora explodindo quando posta em chamas causa o conhecimento da explosão da pólvora quando posta em chamas. Hume insistiu que era somente através de experiências (causa) que alguém poderia vir a conhecer algo (efeito).

Hume também propôs que, sob sua metodologia, é impossível extrair proposições futuras baseadas nas relações causais presentes. Isto porque os seres humanos não podem saber que o futuro será como o passado porque o futuro não é observável. E se todo conhecimento é obtido através da sensação, então proposições futuras nunca podem ser inferidas, porque não há experiência do futuro. Empiricamente falando, é preciso primeiro experimentar o futuro para saber que o futuro é uniforme.

No entanto, as conclusões causais habituais de Hume, ou inferências futuras, dependem de uma relação causal própria. Isto é, a extrapolação de suas afirmações para o futuro depende da uniformidade da realidade, e esse conhecimento da uniformidade da realidade deve vir da observação para que a teoria de Hume seja inteligível. Isso porque, sem antes observar o futuro, não se pode afirmar que o futuro é uniforme e, assim, demonstrar que essas afirmações dos momentos serão como as afirmações dos momentos seguintes.

E assim Hume caiu em um dilema. Hume quer sugerir que a experiência é o único meio para o conhecimento, no entanto, ele também reconhece que sem primeiro experimentar o futuro, ele não pode inferir a uniformidade da natureza, que, sob uma metodologia empírica, é fundamental para o conhecimento. Se o futuro não será como o passado, o conhecimento humano torna-se momentâneo e arbitrário (no sentido aleatório). Isso significa, para Hume, que suas observações empíricas nunca podem ir além de si mesmo ou deste momento, nem podem se tornar certas porque o futuro é inobservável. Talvez amanhã a água ferva a 500 graus Celsius? Para o crédito de Hume, ele reconhece essa dificuldade e sugere que a filosofia futura encontrará uma maneira de abordar esse paradoxo.

Parece desnecessário insistir quando o inventor percebe a falha de seu sistema. E assim, na conclusão desta parte, pode-se notar que o conhecimento empírico de Hume depende da observação causal e da extrapolação momentânea. Contudo, não pode haver observação causal de contingências futuras, nem se pode observar que o futuro será sempre uniforme. E assim, Hume admite que seu sistema não tem justificativa porque seu sistema depende de uma uniformidade de natureza que não pode ser verificada[2]. As afirmações empíricas dependem da uniformidade da natureza que não pode ser observada sob o método empírico de Hume. E sem saber que o futuro será como o passado, não se pode saber[3] com certeza através da observação.

Este então é o ataque firme e efetivo de Hume aos apologistas cristãos. Hume essencialmente se move em direção a um botão de autodestruição e tenta destruir a si mesmo e à cosmovisão cristã, eliminando qualquer chance de chegar ao conhecimento. Ao sugerir que nada pode ser conhecido através da observação, ele destruiu a si mesmo e aparentemente a seus oponentes. Se nada pode ser conhecido através da experiência, então nada pode ser conhecido sobre Deus e suas Escrituras. E assim a teologia natural[4] é destruída em uma confusão sangrenta.

No entanto, Hume, na verdade, faz um favor aos cristãos aqui porque perdeu completamente a marca da ortodoxia. Hume parece pensar que, ao atacar suas próprias crenças, ele pode minar as crenças de todos os cristãos que supostamente devem atribuir à epistemologia dele. No entanto, o zelo cego de Hume, aparentemente sem o conhecimento de si mesmo, na verdade reforçou a posição cristã ortodoxa.

Aqueles de nós que defendem a fé protestante e os inquilinos das Escrituras podem estar certos ao entender que os reformadores não eram tão estúpidos a ponto de confiar em sua própria sabedoria. Martinho Lutero atacou zelosamente apenas a razão humana[5], Jonathan Edwards foi um precursor do ocasionalismo[6] e João Calvino frequentemente incitou a antítese entre o raciocínio dos crentes e dos incrédulos[7]. Além disso, as Escrituras deixam enfaticamente claro que é através da revelação direta de Deus que o homem pode ter entendimento ou conhecimento confiável[8]. Cada um desses homens entenderam que era somente através da iluminação do Espírito Santo e da iluminação para as Escrituras que o conhecimento verdadeiro poderia ser obtido[9]. E portanto, Hume deixou o verdadeiro Cristianismo intacto e só conseguiu se destruir.

Embora existam muitos outros problemas com o empirismo que podem ser discutidos, é importante notar que esse problema destrói o empirismo completamente. Isso deve levar os cristãos a estudar mais seriamente as Escrituras e apoiar-se na sabedoria do Senhor para entendimento.

Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura, não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? (1 Coríntios 1:20)

De maneira nenhuma! Sempre seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso, como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras e venças quando fores julgado. (Romanos 3:4)
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[1] Gordon H. Clark. Thales to Dewey, (1985), pp. 381-394.

[2] Ibid.

[3] Eu estou falando de conhecimento no sentido de certeza e não provável.

[4] Robert Morey em seu livro “Natural Theology: Conflict or Compromise” define a teologia natural como a tentativa do homem de raciocinar em direção a Deus e não a partir de Deus. Ou seja, tentar encontrar Deus à parte da revelação divina.

[5] “A razão é a maior prostituta do Diabo; por sua natureza e maneira é uma prostituta nociva; ela é uma prostituta, a prostituta designada do Diabo; prostituta roída de sarna e lepra que deveria ser pisada e destruída, ela e sua sabedoria […]. Joguemos-lhe excrementos na face para torná-la mais feia ainda. Ela é e deveria se afogar no batismo […]. Esta desgraçada mereceria ser banida para o lugar mais imundo da casa, para os vasos sanitários.” (Martinho Lutero, Erlangen Edition v. 16, pp. 142-148)

[6] Stanford Encyclopaedia of Philosophy: Jonathan Edwards (2009), http://plato.stanford.edu/entries/edwards/#2.2

[7] “Cristo, portanto, responde que o julgamento correto flui do temor e da reverência a Deus; de modo que, se suas mentes estiverem bem dispostas ao temor de Deus, elas facilmente perceberão se o que ele prega é verdadeiro ou não. Da mesma forma, ele lhes administra uma repreensão indireta; pois como é que eles não podem distinguir entre falsidade e verdade, mas porque eles querem o requisito principal para soar a compreensão, a saber, a piedade e o sincero desejo de obedecer a Deus?” (João Calvino, Commentary on John — Volume 1).

[8] Chegando Jesus à região de Cesareia de Filipe, perguntou aos seus discípulos: “Quem os outros dizem que o Filho do homem é?” Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; e, ainda outros, Jeremias ou um dos profetas”. “E vocês?”, perguntou ele. “Quem vocês dizem que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Respondeu Jesus: “Feliz é você, Simão, filho de Jonas! Porque isto não foi revelado a você por carne ou sangue, mas por meu Pai que está nos céus. (Mateus 16:13-17 NVI)

[9] Veja Vincent Cheung “Systematic Theology”, “Ultimate Questions” e “Captive to Reason” para uma compreensão mais abrangente do ocasionalismo e da epistemologia cristã.
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Traduzido por Luan Tavares em 19/08/2019.

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